Demanda estrangeira por Treasuries

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Douglas Holanda

A crescente atração dos investidores estrangeiros pelos títulos do Tesouro dos Estados Unidos (demanda por Treasuries) tem se configurado como um fenômeno multifacetado. Esse movimento é impulsionado pela combinação de um ambiente de juros elevados nos EUA e pela robusta valorização do dólar, fatores que, além de encarecer o custo do capital para emissores fora do país, exercem fortes efeitos de transmissão nos mercados emergentes.

Contexto e Fatores Impulsionadores

Os Treasuries são historicamente reconhecidos como o ativo de menor risco, servindo de referência global para a precificação de ativos de renda fixa. Nos últimos anos, dados do Departamento do Tesouro dos EUA apontam que a participação estrangeira nesses títulos atingiu níveis recordes, com holdings que ultrapassam os US$ 8,5 trilhões em alguns meses recente. Essa alta demanda reflete a busca por segurança em meio a um cenário de volatilidade global e a perspectivas de juros ainda elevados.

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Do lado dos Estados Unidos, o robusto desempenho econômico, aliado a expectativas de manutenção ou até eventual elevação dos juros, torna os títulos americanos particularmente atrativos. A política monetária do Federal Reserve, com seu foco na contenção da inflação, tem contribuído para uma elevação das taxas de juros (yields) que, por sua vez, reforça a atratividade dos Treasuries como instrumento seguro e rentável.

Mecanismos de Transmissão e Fluxos de Capital

A intensa demanda estrangeira por Treasuries exerce efeitos indiretos sobre outros mercados, sobretudo os emergentes. À medida que investidores realocam seus portfólios para ativos considerados mais seguros, há uma tendência de fuga de capital dos países com perfis de risco mais elevados. Essa saída de recursos gera pressões cambiais – ao mesmo tempo que o dólar se valoriza, as moedas dos mercados emergentes se depreciam – e, para atrair ou reter capital, esses países são forçados a elevar suas próprias taxas de juros.

Além disso, o “carry trade” tem sido intensificado nesse ambiente: investidores financiam operações em moedas de baixo custo (como o iene) para investir em mercados que pagam juros mais altos. Contudo, o fortalecimento do dólar e os altos yields americanos acabam reduzindo a atratividade relativa dos ativos de risco, criando um ciclo em que a elevação dos juros e a depreciação cambial nos emergentes se retroalimentam.

Evidências Empíricas e Dados Técnicos

Estudos empíricos recentes demonstram que o aumento dos rendimentos dos Treasuries tem implicações profundas para os fluxos internacionais de capitais, realizando assim maior demanda por Treasuries. Dados da Reuters indicam que, mesmo com rendimentos de referência em queda modesta em determinados períodos, o volume recorde de títulos em poder de investidores estrangeiros evidencia uma confiança contínua na segurança dos ativos americanos. Ao mesmo tempo, dados apontam para uma redução nas participações de alguns dos maiores detentores, como China e Japão, embora o conjunto das holdings estrangeiras continue em expansão

Além disso, a literatura acadêmica – como evidenciado em estudos que empregam modelos de vetor autorregressivo global com volatilidade estocástica – mostra que choques na política monetária dos EUA provocam reduções significativas na atividade e no output dos mercados emergentes. Esses efeitos, ampliados por um cenário de incerteza monetária, reforçam o desafio enfrentado por esses países para manter a estabilidade macroeconômica.

Impactos nos Mercados Emergentes

O efeito dominó da atração por Treasuries é particularmente agudo nos mercados emergentes, onde a dependência de financiamentos em dólar é alta. Os efeitos podem ser sintetizados em três vertentes principais:

  • Pressão Cambial e Desvalorização: A saída de capitais agrava a depreciação das moedas locais. Estudos indicam que um dólar forte pode reduzir o crescimento dos países emergentes em até 1,9 pontos percentuais, em decorrência da inflação importada e da elevação dos custos de financiamento.
  • Elevação das Taxas de Juros Locais: Para mitigar a fuga de capital e atrair investidores, os bancos centrais dos mercados emergentes muitas vezes precisam elevar suas taxas de juros. Essa política de juros altos, embora necessária para estabilizar a moeda, tem o efeito colateral de desacelerar a atividade econômica, afetando negativamente o crescimento.
  • Aumento dos Spreads de Dívida: O risco percebido nos mercados emergentes aumenta os spreads de crédito, encarecendo a emissão de nova dívida. Isso dificulta o acesso ao financiamento e pode elevar o custo do capital para governos e empresas, comprometendo investimentos e crescimento de longo prazo.

Esses efeitos são agravados pela volatilidade dos fluxos internacionais e pelo fato de que, em muitos casos, as economias emergentes já apresentam vulnerabilidades fiscais e estruturais que limitam sua capacidade de resposta a choques externos.

Desafios

Enquanto os Estados Unidos mantêm uma política monetária contracionista, os mercados emergentes enfrentarão um ambiente de persistente alta volatilidade. A continuidade da elevação dos yields dos Treasuries e a manutenção de um dólar forte podem impor desafios adicionais, tais como:

  • Risco de Outflows de Capitais: A intensificação da fuga de capital pode levar a um ciclo de fortalecimento do dólar e deterioração das condições financeiras locais.
  • Ajustes na Política Monetária Interna: Os bancos centrais emergentes precisarão calibrar suas respostas, equilibrando a necessidade de atrair capitais com o risco de desaceleração econômica decorrente de juros elevados.
  • Sustentabilidade da Dívida: Com a deterioração dos fundamentos fiscais e a elevação dos spreads, a sustentabilidade da dívida soberana pode ser posta em xeque, aumentando o risco de defaults e reestruturações.

A crescente demanda estrangeira por Treasuries, alimentada por um cenário de juros elevados e dólar forte, reflete a busca por segurança e estabilidade num ambiente global de incerteza. Contudo, esse fenômeno impõe custos significativos aos mercados emergentes, que se veem forçados a elevar suas taxas de juros e a lidar com a depreciação de suas moedas, elevando os riscos fiscais e financeiros. O desafio para esses países reside na necessidade de fortalecer seus fundamentos macroeconômicos e implementar políticas que mitiguem a volatilidade dos fluxos de capital, garantindo, assim, uma maior resiliência diante dos choques externos.

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