A queda do dólar pode salvar a economia dos EUA — e acelerar seu colapso global

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Douglas Holanda

A desvalorização recente do dólar frente a outras moedas e ativos acendeu um debate que vai muito além das planilhas macroeconômicas. Em um primeiro momento, a fraqueza da moeda americana pode parecer benéfica: um dólar mais barato favorece as exportações dos Estados Unidos, estimula a indústria local e alivia a balança comercial. Mas esse movimento traz um efeito colateral inevitável — e perigoso: ajuda a pavimentar o caminho para o colapso do dólar no cenário global.

Enquanto os produtos americanos ganham competitividade, o restante do mundo observa com atenção o que parece ser um novo ciclo de instabilidade cambial. Quanto mais o dólar enfraquece, mais a confiança no sistema financeiro global baseado nessa moeda se deteriora. O que deveria ser um respiro econômico pode, na verdade, representar o início de uma ruptura estrutural.

A realidade é que os EUA estão encurralados. Se mantêm o dólar valorizado, sacrificam o crescimento e travam as exportações. Se deixam o dólar cair, alimentam o movimento de desdolarização que já está em curso em diversos países. É a clássica situação onde “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come” — uma armadilha histórica para uma potência que sempre usou a força da sua moeda como principal instrumento de influência global.

Essa dualidade tem se tornado cada vez mais evidente. China, Rússia, Índia, Brasil e outros países já estão construindo rotas comerciais fora do dólar, assinando acordos bilaterais em moedas locais e acumulando reservas em ouro e outros ativos. A cada nova rodada de desvalorização, o incentivo para abandonar o dólar cresce. E isso é ainda mais preocupante quando percebemos que, neste exato momento, os EUA dependem dessa desvalorização para sustentar sua atividade econômica.

Esse paradoxo revela algo mais profundo: a hegemonia do dólar está ligada a uma confiança que não é mais unânime. Ao mesmo tempo em que o Federal Reserve tenta estimular o crescimento doméstico com políticas monetárias mais flexíveis, envia ao mundo a mensagem de que o dólar já não é o porto-seguro de antes. O risco não está apenas na volatilidade de curto prazo, mas na perda de legitimidade de longo prazo.

Não se trata apenas de economia — trata-se de um reposicionamento geopolítico silencioso. E nesse cenário, os Estados Unidos precisam fazer uma escolha difícil: preservar a função global do dólar ou salvar sua economia doméstica no curto prazo. A escolha por uma dessas alternativas inevitavelmente enfraquece a outra.

O que estamos vendo pode ser o início de um ponto de inflexão. O dólar, que durante décadas sustentou o poder americano no mundo, agora oscila entre ser solução interna e problema externo. E à medida que essa contradição se intensifica, o mundo assiste — e se adapta. O que antes era impossível de imaginar, hoje parece apenas uma questão de tempo: o colapso do dólar, se vier, não será um acidente. Será consequência de decisões que já estão sendo tomadas.

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