O recente boicote do Carrefour França às carnes do Mercosul – incluindo a brasileira – e a reação subsequente do setor agropecuário brasileiro oferece uma poderosa lição sobre o impacto da ação estratégica de um setor econômico organizado. O agro brasileiro, que representa uma das maiores fontes de exportação do país, respondeu com um movimento de protecionismo que reflete a força do setor e sua capacidade de se mobilizar frente a pressões externas. Quando os frigoríficos brasileiros interromperam a entrega de carne ao Carrefour Brasil, o gesto foi claro: a reputação e os interesses econômicos do agronegócio não podem ser prejudicados por decisões tomadas em outros mercados, especialmente quando fundamentadas em argumentos questionáveis sobre práticas ambientais .
Essa reação, embora agressiva, mostrou a eficácia de uma resposta coordenada entre produtores e representantes do setor. O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo e, como tal, tem a capacidade de criar um impacto significativo nas relações comerciais globais. O boicote francês, baseado em uma tentativa de proteger a agricultura local sob o pretexto de preservação ambiental, não apenas foi desafiado, mas teve que ser reconsiderado em face da resistência organizada do agro. Em um nível mais amplo, isso destaca como o protecionismo pode ser uma ferramenta eficaz para preservar a competitividade e os interesses nacionais diante de pressões externas.
Porém, enquanto o agronegócio brasileiro demonstrou clareza e ação rápida, a diplomacia brasileira falhou em adotar uma postura similarmente firme no cenário global. A decisão da França de encabeçar um movimento contra o Mercosul e seu acordo com a União Europeia foi um claro indicativo de que os interesses econômicos brasileiros, em particular do agro, estavam em risco. A reação do governo Lula, embora diplomática, tem sido percebida como excessivamente cautelosa e até conciliatória. Em vez de explorar essa crise como uma oportunidade de afirmação do poder econômico do Brasil, o governo se viu, mais uma vez, retraído diante das pressões internacionais.
Enquanto a França aplica um protecionismo claro para proteger seus próprios agricultores e seus interesses comerciais, o Brasil, apesar de ser um gigante agrícola, opta por manter uma posição de negociação diluída. A retórica do governo brasileiro em relação ao Acordo Mercosul-UE, por exemplo, tem sido de busca por consenso, mas não foi suficientemente assertiva para transformar essa discussão em uma vantagem para o agro nacional. A incapacidade de responder de forma agressiva e coordenada revela uma contradição: enquanto o Brasil possui uma força econômica no setor agrícola capaz de alterar o curso das negociações internacionais, sua diplomacia continua limitada pela falta de uma estratégia clara para alavancar essa força.
O episódio do Carrefour ilustra o dilema em que o Brasil se encontra: por um lado, o setor agropecuário, com sua organização e poder de barganha, demonstra sua capacidade de se proteger e lutar por seus interesses; por outro, a diplomacia brasileira continua a seguir uma linha de concessões que não reflete a força econômica real do país. Para que o Brasil se posicione como um verdadeiro líder global no setor, será necessário mais do que apenas responder com ações reativas. O governo precisa alinhar-se ao setor privado e adotar uma postura diplomática mais agressiva que reflita o poderio agrícola brasileiro de forma estratégica e eficiente. O agro tem o poder de moldar a agenda internacional, mas isso exige mais do que uma reação: exige liderança.