Em Portugal, a transformação digital deixou de ser uma escolha para se tornar uma questão de sobrevivência econômica. Contudo, mesmo diante da urgência imposta por um mercado global cada vez mais tecnológico, o país parece avançar a passos hesitantes, aquém de seu potencial. O governo e algumas grandes empresas gostam de mostrar cases de sucesso, mas a realidade no terreno é menos glamorosa: muitas empresas ainda lutam para integrar tecnologias básicas, enfrentando desafios culturais, financeiros e de infraestrutura.
Promessas governamentais: Onde está o impacto real?
O governo português não poupa discursos sobre sua agenda digital. Há incentivos fiscais, fundos do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e uma narrativa de que as PMEs — que representam 99% das empresas no país — estão na vanguarda da transformação digital. No entanto, essa retórica está longe de refletir a realidade enfrentada por milhares de empresários.
A burocracia para acessar esses fundos ainda é um obstáculo significativo. Pequenas empresas, que poderiam ser as maiores beneficiárias, frequentemente não possuem conhecimento técnico ou tempo para se candidatar a esses apoios. Além disso, a dependência de consultorias externas para navegar o processo cria uma barreira adicional, excluindo quem realmente precisa de ajuda. O que vemos, na prática, são grandes players monopolizando os recursos e promovendo cases que servem mais para relações públicas do que para mudanças estruturais no tecido econômico.
Exemplos de avanço: uma exceção, não a regra
Empresas como a Galp ou o projeto dos Bairros Comerciais Digitais são frequentemente citados como vitórias da digitalização em Portugal. A Galp, por exemplo, implementou soluções digitais para otimizar processos e melhorar a experiência do cliente, enquanto os Bairros Comerciais tentam levar a digitalização ao pequeno comércio.
Mas estes exemplos são exceções. Para cada história de sucesso, há dezenas de histórias de fracasso ou estagnação. Pequenas lojas, empresas familiares e mesmo indústrias locais frequentemente reclamam que o custo de adotar tecnologias é proibitivo e os retornos não são garantidos. Além disso, muitas vezes faltam competências digitais nos negócios tradicionais. O discurso político ignora esse fosso e cria a falsa impressão de que o país está à frente nessa revolução.
Oportunidades desperdiçadas
Portugal, com seu tamanho compacto e infraestrutura relativamente moderna, poderia ser um laboratório perfeito para a transformação digital. Startups como a Farfetch e a Talkdesk já mostraram que é possível criar inovação global a partir de solo português. Porém, essas empresas são casos isolados, nascidos quase à margem do apoio institucional.
O verdadeiro potencial reside nas PMEs, mas a digitalização delas requer mais do que financiamento. É necessário mudar mentalidades, capacitar pessoas e criar ecossistemas locais que incentivem a colaboração tecnológica. Até agora, esses esforços têm sido insuficientes.
Caminhos para o futuro
Portugal precisa de um choque de realidade em sua estratégia de transformação digital. Não basta criar programas que sejam difíceis de acessar ou promover iniciativas com pouca escala prática. O governo deve reduzir a burocracia, facilitar parcerias com startups e investir seriamente na capacitação digital da força de trabalho.
Enquanto isso, as empresas precisam entender que resistir à mudança não é mais uma opção. A transformação digital não é um luxo ou uma escolha estratégica — é a linha entre a sobrevivência e o fracasso. E, se Portugal continuar hesitando, corre o risco de ficar para trás em um mundo que não espera por quem demora a agir.